quinta-feira, 2 de maio de 2013

O Último Homem


Boa noite meus fiéis! Como passam? (Presumindo que ainda são meus fiéis, é claro)

Querem ler a desculpa de hoje da demora de atualizações, claro que sim, vamos lá.
Aparentemente agora que eu tenho uma feitora assessora, ela “sugeriu” e eu quero que vocês reparem bem nas aspas, que eu fizesse reviews intercaladas com textos próprios, e se eu me comportasse bem e não mordesse ninguém, teria permissão de escrever algum especial de vez em quando. Então, feliz da vida, fui escrever sobre “Desventuras em série”, de Lemony Snicket. Trabalhei no meu texto com tanto afinco quanto naquela vez em que fiz um castelinho de areia perto do mar e na primeira onda eu chutei o monte e comprei um picolé; mas então descobri que existe uma autobiografia não autorizada de Snicket que é essencial para entender as desventuras, então decidi adiar para quando alguém me der essa biografia de presente.
Alguém.

ALGUÉM.

ALGUÉM!

...

Aceito presente repetido.

Enfim, desanimei totalmente e minha cabeça ficou muda, sem ideia nenhuma.
Até que eu descobri essa HQ.



Sim, é história em quadrinhos. Não, HQ não é coisa pra criança. Sim, quadrinhos são aqueles da Turma da Mônica. Não, quadrinhos sérios não são apenas uma exceção por aí. Tem muita edição por aí que é mais madura e bem construída do que qualquer livro, digamos, do Paulo Coelho. Duvida?

Sabia que o filme V de Vingança foi baseado em uma HQ de apenas cinco números? É. Vai dizer que é pra criança um filme com essa cena?
Sabia que Watchmen foi baseado em uma HQ de apenas doze números? É. Vai dizer que é pra criança um filme com essa cena?

Agora que já estamos tão esclarecidos como um déspota em 1750, vamos à review.
Imagine um mundo sem o cromossomo Y.




The Last Man. O Último Homem.
Uma praga assolou o mundo e em alguns segundos matou todo mamífero macho da face da Terra, seja adulto, filhote, feto, embrião ou espermatozoide Y. Isso inclui, claro, a raça humana. Todos mortos, exceto um rapaz chamado Yorick Brown e seu macaco capuchinho, Ampersand (sim, o nome do macaco é &). Sozinhos num mundo de mulheres. Caos.

Inicialmente, eu nunca recomendaria essa série para ninguém. Ela parece trazer ideias bastante extremistas, sexistas e até machistas.

Apenas um homem consegue salvar a pátria X não precisamos de homens para viver.

Devo dizer que fiquei feliz como um aluno da Lufa-Lufa quando o Cedrico ganhou do Harry no quadribol quando descobri que... Não é assim. Ela vai muito além. É completamente feminista.
(Aliás, já perceberam que o personagem Spartacus, da série que acabou recentemente, também é feminista? Asérie não, mas o cara em si, sim, e muito)

(Adendo: para evitar alguns xingamentos desnecessários, recomendo a leitura calma e sem preconceitos de qualquer um destes textos. Mas se vocês não tiverem paciência, uma olhadinha rápida nesse tumblr aqui já ta bomdimaisdaconta.)

Viram? Leram? Ignoraram? Deslumbraram? Então tá.

Dá pra começar a análise com uma pergunta:

Como seria ser o último homem da Terra?

Pra muitos e muitos homens seria o Paraíso. Imagina só, todas as mulheres do mundo só pra você! Nenhum macho para competir, escolher à vontade, e ainda tem a mamãe pra te dar colinho e leite quente no fim do dia. Perfeito, não?

Não. Ainda bem que Brian K. Vaughan, o genial criador da série, fez questão de deixar algo claro já na primeira edição.
Um mundo com apenas um homem – mesmo que seja o Robert Downey Jr ou o Neil DeGrasse Tyson – seria uma merda. Na verdade, ele nos dá uma pequena dimensão de como o mundo está estruturado praticamente por homens, nesta página:


É de se imaginar que no caos que tenha se instalado logo após o generocídio, as mulheres não estivessem exatamente receptivas para competir na unha quem seria a escolhida. Na verdade, como obras da ficção tem nos mostrado constantemente, - The Walking Dead e Falling Skies - em casos de apocalipse ou semi-apocalipse, as pessoas tendem a despirocar de vez.
Para ser mais clara: 90% das mulheres restantes, quando ficam sabendo que ainda resta um falo vivo no mundo, querem trucidá-lo; umas duas querem transar com ele; o resto não se importa nem um pouco.
Apenas três se dispõem a protegê-lo, deixando claro que é tão somente pelo futuro da humanidade.
Por quê?
Porque Yorick é um babaca.
 Ele tem uma namorada – que agora está perdida pelo mundo – é arrogante e preconceituoso em vários momentos, não tem a menor ideia do que fazer da vida, era paparicado pela família, imaturo, irresponsável e com um certo comportamento suicida. Tanto que uma agente especial foi designada pelo governo americano para protegê-lo, porque foi deixado bem claro que ele “não duraria cinco minutos lá fora”.
Essa agente, chamada apenas de 355, é uma das personagens mais fortes e capazes que já conheci. Tenho certeza que ela bateria no Stallone (jovem) sem grandes problemas. E por ser forte e fazer parte de uma agência de guerra, 355 já viu e fez muitas coisas na vida, coisas que ela com certeza preferiria esquecer. Ela e Yorick são de idades próximas, mas essa experiência e maturidade tão disparatadas faz com que o relacionamento dos dois seja bem instável. Ainda bem que o amadurecimento do Yorick foi uma das linhas mais bem traçadas na série. É marcante como o auto-intitulado "Mago das Escapadas" (ele é um ilusionista amador) vai ficando mais velho e duro conforme o tempo passa.
E por favor gente, 355 é dona da frase mais badass da história dos quadrinhos:


"Fuck you", ela diz em seguida *-*

Confesso que também não senti muita falta de personagens masculinos no enredo. Primeiro porque tem bastante flash-backs de cada personagem relevante; segundo que os tipos femininos conseguiram suprir muito bem todos os caricatos masculinos.
Um ninja mortal e misterioso? Tem.
Um cientista brilhante meio louco que é de certa forma responsável pela destruição do mundo? Check.
Traidores? Um por página.
Soldados/terroristas que querem destruir o mundo? A-hã.
Espiões? Opa.
Conquistadores baratos? Pfff.
Líderes extremamente manipuladores e carismáticos que conseguem arrebatar multidões para uma causa claramente autodestrutiva?









E religiosos fanáticos?
É interessante ver como um apocalipse pode mudar a cabeça das pessoas. Em TLM, a maioria das mulheres vira ou ateia (como um Deus pode nos privar da missão mais básica da Bíblia, crescei e multiplicai-vos?) ou fanática (todos os homens mereciam morrer para Deus purificar a Terra). A HQ mostra basicamente a reação da Igreja Católica, que é bem patriarcal. Inclusive, essa é uma das partes mais críticas e inteligentes da série.  Mas são raras as religiões não-patriarcais, e eu senti falta da abordagem de outras, deu a impressão que a católica é a pior Igreja de todas.

Eu tinha dito que três mulheres se dispõem a defender Yorick, não? Pois bem, a terceira é a Dra. Alisson Mann, uma cientista brilhante que se culpa pela praga sabe-se-lá-por-quê. Ela defende o garoto apenas por interesse científico: ela quer cloná-lo e salvar a raça humana.
Ela nunca sorri.
 Enfim, é complicado falar sobre TLM. Primeiro porque a trama é tão perfeitamente amarrada que qualquer fato implica em falar sobre outro fato, que implica em falar sobre outro, e outro, e outro e daqui a pouco você perde o controle e já diz que ele morre no final e quem mata é o Coronel Mostarda, na biblioteca, com o candelabro. Mas eu juro pra vocês que apesar de toda a análise política que eu fiz, vocês não vão notar a pregação. Exceto em uma ou outra parte, quando mostra alguns discursos de mulheres misândricas que matam outras mulheres cujo crime era não achar que todos os homens do mundo eram uns crápulas sem coração e mereciam morrer. Eu devorei todas as 60 edições em três dias simplesmente porque não consegui parar de ler. E antes que vocês me perguntem, não, ninguém descobre o por que da praga – apenas algumas teorias cabulosas circulam por aí – mas a história não é sobre isso, e ainda bem que não tentaram explicar. Ou alguém realmente ficou feliz quando George Lucas explicou o que era a Força? Não, algumas coisas é melhor não explicar. Ninguém quer saber.

E o final... Ah, só podia ser aquele. Chorei, chorei, chorei, mas foi perfeito como o último capítulo de Friends. Nenhum outro se encaixaria tão bem.

Certo, vamos falarda nova Tecpix de coisas práticas agora: como adquirir e ler essa série.
Vida de leitor de quadrinhos no Brasil não é fácil. As edições demoram em ser traduzidas, em ser lançadas, em chegar às bancas de grandes cidades, em chegar às bancas de cidades que não são São Paulo. Há um desinteresse total das editoras em melhorar isso, porque elas alegam que “não há interesse dos leitores” e essa é a coisa mais ridícula que uma editora pode dizer. Quer dizer, elas vivem disso! Se não existe interesse por quadrinhos EM UM PAÍS INTEIRO, ela simplesmente toca o foda-se, beleza, deixa quieto, vamos ver se na Guiana Francesa alguém quer uma revistinha?
Aposto que em países onde ninguém conhece picolés de maçã também há um desinteresse total em picolés de maçã.
Caramba, se a Coca-Cola ignorasse cada país que não tinha interesse por ela, hoje em dia ela não seria uma empresa com capital maior que o PIB de alguns países!

Enfim, eu acabei baixando a série no 4shared por duas razões, mas não recomendo fazer isso por duas razões.

Baixei primeiro porque aparentemente foram lançados apenas os primeiros números aqui, não há previsão de lançar o restante em um futuro próximo, nem sonham em lançar na minha cidade, eu não tenho dinheiro pra viajar só pra comprar e não aguentaria esperar a boa vontade dos editores pra ver se eles lançam o restante. Segundo porque Yorick faz tanta piada referencial - ele é muito nerd - que eu não entendo metade do que ele diz, e os fãs que traduzem são uns lindos, eles explicam cada referência bonitinho pra gente entender, coisa que dificilmente a tradução oficial faria. (outra coisa que dificilmente a oficial faria seria traduzir os palavrões, porque aparentemente a população brasileira sofre de uma terrível doença em que falamos palavrão normalmente, mas se ouvirmos alguma obra de fora, seja cinema ou literatura com um simples ‘porra’ temos um ataque epilético instantâneo)
Mas não recomendo baixar, primeiro porque se todo mundo o fizer, o desinteresse das editoras vai continuar ou piorar. Temos que incentivar os lançamentos, dizer “ei, não só as crianças gostam de ler gibi, a gente também! Manda pra cá!”
Segundo, porque é realmente difícil ter que ler atraz, faser,  mais, etc. Coisa que dificilmente a tradução oficial teria.
Mas ainda vale a pena!
 Título: Y - O Último Homem ( Y - The Last Man), 60 edições
Autor: Brian K. Vaughan
Desenhistas: Pia Guerra, Goran Sudzuka, Paul Chadwick
Tradução: 
Editora: Vertigo (a Panini Comics comprou os direitos no Brasil)
Ano: 2002 - 2008
Motivos pra dar de presente: pra quem gosta de ler, mas não muito; e é ótimo pra aprender que não existe só Mônica e Cebolinha no mundo...
EM TEMPO: sabia que a desenhista chefe da série, Pia Guerra, é uma das poucas mulheres do ramo?