segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Experiência #1 : A Volta dos que Não Foram


Uau, eu tenho um blog!

É, difícil lembrar disso de vez em quando. Principalmente quando de vez em quando eu resolvo dar um tempo nas postagens.
Ou quando esse dar um tempo vira quase um ano e o de vez em quando vira nunca.
Mas eu voltei. Voltei! E melhor ainda: agora eu tenho uma assessora de imprensa!

...


É, aparentemente eu tenho uma preguiça incurável, que me impede de postar e escrever com a frequência de uma pessoa normal... Embora nesse mundo uma pessoa normal escreve textos com a mesma frequência que eu no último ano, então anulei minha frase totalmente. Mas ainda tenho uma preguiça incurável, então não anulei totalmente, a não ser que meu futuro chefe esteja lendo isso, nesse caso eu anulei totalmente sim, e sou uma pessoa extremamente disposta, cooperativa e adora fazer relatórios, certo? Não, não quer dizer que goste de fazer relatórios a minha vida inteira, eu só não tenho preguiça de fazer aqueles grandes e entedian...

Quer saber? Esqueçam o último parágrafo. Eu tenho uma assessora de imprensa que vai divulgar isso aqui, sou uma diva, só preciso me preocupar em escrever rápido o bastante pra ela não me comer o fígado.
Enfim, eu tinha uns cinco textos começados. Na verdade, se alguém um dia for atrás de mim, me achar, me matar, conseguir separar meus braços, pegar meu computador, descobrir a senha e fazer uma peregrinação de pastas atrás de pastas, vai ver que eu tenho mais de vinte começos de textos, crônicas, livros de fantasia e ficção científica, todos esperando seu fim... Sendo esse fim um ponto final ou a lixeira. E estava na dúvida sobre qual resenha escolher, mas como agora tenho uma dona assessora, ela disse “bota um texto seu”.
Não, na verdade ela disse "bota um texto seu".
E eu temi por minha vida. Sério.

E porque eu gosto de melancia, Friends, Joseph Gordon-Levitt e principalmente de continuar respirando, docilmente aceitei, e agora vocês vão ler, em primeira mão, a minha primeira experiência publicada. Eu escrevi numa época cheia de provas, stress, barulhos, raiva e...
Quer saber, foda-se, eu acabei de inventar isso aí.
E lembrem-se que eu sou uma jovem e extremamente promissora escritora em início de carreira, elogiem-me, por favor. Gente jovem e arrogante não gosta muito de críticas abertas. Me mandem por inbox.
Ah, e também não tem título. Sou péssima em dar títulos.



Nasci no dia mais quente do ano. No dia mais quente da década. Tão quente que ninguém ficou em casa naquele dia. Foi o dia mais barulhento do ano.
E eu odiei cada barulhinho.
Fui um bebê silencioso. Nos primeiros dias meu pai perguntou “o que esse troço deveria fazer, afinal?” Minha mãe vivia discretamente me cutucando pra ver se ainda estava vivo; meu irmão uma vez tirou minha fralda pra ver se não estava com a pilha fraca. Fui silencioso, mas bastava abrir a porta do meu quarto pra eu acordar.

Fui uma criança silenciosa. Os professores sempre levavam um ano ou dois não pra aprender meu nome, mas sim pra notar que eu estava ali. Geralmente as aulas iam até a metade do ano assim: 
-Caetano?
-Presente.
-Camila?
-Presente.
-Carlos... Carlos Oliveira?
- Presente.
(Minha voz nunca foi mais que um sussurro.)
- Oh, olá Carlos. Transferido?
- Não.- Ahnn, mas é novo aqui, certo? Posso jurar que nunca te vi por aqui.
-Professor, estudo aqui desde o primário...

-Ah, ok. Onde eu estava... Ah, sim. Carlos Oliveira?
-Presente, professor.
- Oh, olá. Você é novo aqui?
 Todas as aulas. Em abril já respondia a chamada mostrando meu histórico escolar pra provar que sempre estive ali, na mesma carteira inclusive. E claro, odiava qualquer conversa na sala. Odiava o recreio com aquelas crianças pulando e gritando. Odiava a biblioteca com aquelas pessoas e sua mania de virar as páginas dos livros.

Fui um homem quieto. Meu irmão tinha a mania de assaltar a geladeira de madrugada, e seus passos sempre me acordaram, então assim que consegui um emprego saí de casa. Sempre morei sozinho, na rua mais barulhenta do país.
Certo, admito, podia ser uma rua normal. Mas cada vizinho tinha um cachorro. E um gato. Um papagaio não era raro.
Cada.
Vizinho.
E digo mais: havia uma lei municipal que dizia que se tivesse menos de vinte e sete pinschers por quadra todos os habitantes teriam que entregar seu primogênito para virar escravo nas minas da Mongólia.
Pelo menos era a única explicação que eu encontrei pra ter tantos ratos pinscher e chihuahuas na minha rua.
Mas verdade seja dita, havia cachorros grandes também, que graças à maldita física seus latidos mais graves podiam ser ouvidos a uma distância maior. Toda noite o líder dos gatos da cidade – que eu costumava chamar de Isaac Karabitchev – tentava reunir seu povo e montar um coral para cantar a trilha sonora de Cats. Mas os cachorros achavam que era na verdade arte interativa, e tentavam interagir seus dentes com o pescoço dos seus amigos cantores, ou no mínimo cantar também. Como muitos eram cachorros com um dom para a política, conseguiam ficar horas discursando entusiasticamente sobre como aquele coral era bom para a vizinhança, aproximava as crianças e fazia a felicidade do Velho Billy, que tinha um novo sapato pra roer toda noite. Meu sapato, aliás. Malditos, se duvidar eles vão receber a cada lua cheia seu peso em ração Pedigree do sapateiro.

Uma noite, quando uma gata cantava Memory na esquina, eu peguei todos os meus sapatos – podia imaginar o sapateiro saltitando de alegria, o desgraçado – saí na rua e atirei naquele coral, naquele comício e aproveitei pra atirar naquela maldita andorinha que tinha chegado da migração, não acertara seu fuso horário e sempre começava a cantar às quatro da manhã.

Fui preso. Por perturbar a paz. Maldita ironia da vida.

Achei que na prisão teria meu silêncio.  Mas o cara que estava comigo insistia em respirar a noite toda. E um cara com aquele nariz... Se eu tivesse gravado aquele ronco podia colocar no alarme de casa e quando um ladrão entrasse acharia que tinha invadido a casa do Darth Vader.
Me mudei centenas de vezes, mas acho que Isaac passou a me considerar seu ídolo de inspiração e carregava seu elenco aonde quer que eu fosse. Uma noite, fiquei sentado na cama pensando em todas as maneiras mais lentas de se matar um grupo de gatos, e claro, todos os cachorros fãs do show, quando de repente todos pararam. Meu deus, eu sou o Professor Xavier, pensei.  Acabei de matar todos os bichos da vizinhança telepaticamente. Já me preparava para matar aquelas andorinhas que nunca acertavam o relógio quando ouvi o Isaac dizendo “não, não ficou bom, vamos de novo! Um, dois, três e...”

 Uma vez deitei em uma igreja. Ali era silencioso. Tão silencioso que comecei a notar os barulhos da rua, algo que os gatos nunca tinham deixado antes. Mas que merda. Buzinas, freadas, o som alto de algum imbecil lá longe. Me levantei. Olhei para o altar.

"É demais pedir por uma noite de silêncio?"

Ninguém me respondeu. Deus deve ter achado que se ele fizesse algum barulho naquela hora eu virava ateu, e Ele não precisava perder mais um cliente.

Me mudei para o campo. Lá não tinha carros, música, gatos e cachorros.
- Não é agradável dormir com a chuva caindo?, perguntava a dona da pensão.
Mas quando caía ela batia insistentemente em uma folha embaixo da minha janela. Ploc ploc ploc ploc ploc ploc ploc ploc ploc ploc ploc(bis).
-Não é bom dormir ouvindo o vento, então?
Seria aquele mesmo vento que quando soprava fazia um galho de árvore bater na vidraça? Tap tatatap tap tap tap tap.
- Os grilos, senhor. Não são tranquilizantes?
Cricricricricricricricricricricricricricricricricricricricricricricri. Sem comentários.

Então eu ouvi falar de uma câmara que haviam inventado que era completamente isolada acusticamente. Se caísse uma bomba atômica do lado, a pessoa dentro não ouviria nada. Nada. Morreria, é claro, mas completamente ignorante sobre o que a atingira.
Vendi casa, carro, móveis, corpo, tudo, para comprar minha câmara. Quando o vendedor apertou minha mão  e mostrou meu pequeno paraíso quadrado, sorri. A última vez que tinha sorrido foi quando meu vizinho que ouvia sertanejo até as três da manhã foi assassinado.
Deitei lá dentro. As paredes eram brancas, teto branco, tudo branco.
Silêncio. Nem a mais pura das músicas já tocadas tinha um som tão doce quanto o silêncio.
Foi quando eu ouvi. Ele.
Não, por favor.
Ele de novo.
 
Não, não me tirem isso. Não o meu silêncio!
Ele mais uma vez. Maldito. Três vezes maldito.
Meu coração pulsava, feliz de ser finalmente ouvido pelo dono.
 

Me matei com uma overdose de remédios para dormir. Queria uma morte tranquila, indolor.
E silenciosa.
Minha alma foi subindo ao Céu. Eu vi todas as cores do Universo. Todas as estrelas. Todos os mundos. Mas acima de tudo, eu vi o silêncio absoluto. Nenhuma voz, nenhum miado, nenhum ploc ploc ou cricri. Nenhum som.
Finalmente estava em paz. Minha pobre alma torturada finalmente se permitiu um suspiro de alívio.
 E então, um anjo começou a cantar.