domingo, 16 de junho de 2013

Experiência #2: Crônicas Universitárias

Fatos absolutamente reais.


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Tenho duas professoras especiais: a Cleoci e a Cleonilce.

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A Cleoci tem duas aulas por semana, mas ela raramente passa de uma hora.
A Cleonilce tem quatro aulas por semana, e ela sempre toma o nosso intervalo.

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- Por que a turma inteira faltou na semana passada?
- Porque era dia de trote, professor, o curso inteiro foi pra rua.
- Ah... A turma inteira?
- O curso todo.
- E ninguém veio pra aula?
-... Não.
- Bom, a primeira aula seria só uma apresentação, mas como não teve aula semana passada, então meu nome é Tadeu, eu dou a disciplina de Tricô Avançado. Aqui está meu plano de ensino. A aula de hoje está encerrada.

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Uma vez eu fiquei de exame em Métodos de Tortura Medieval Chinesa por 0,2 ponto. Não foi por 68 (a média é 70), foi por 69,4. Então eu fui lá reclamar. Precisava de 0,6 ponto na última prova para alterar a média final para 70.

- Professor, posso ver minha prova?
- Claro! Veio reclamar de novo?
- Poxa, profe, meio ponto!
- É a vida, desculpa.

...

- Professor, porque você me deu metade da nota nessa questão?
- Ah, você respondeu tudo?
- Sim, tá aqui, olha!
- Ok, meio ponto, então.

...

- E nessa, profe? A resposta tá inteira aqui! Porque 0,9?
- Você acha que a resposta está completamente certa? Tudo bem, 1,0 inteiro se você quiser.

Pronto, eu tinha meus 0,6. Feliz, já ia me levantar quando ele me chamou.

-Ah, nessa outra questão aqui você só respondeu metade, mas eu te dei um ponto inteiro porque estava bonzinho. Porém, já que estamos revisando sua nota, nada mais justo do que dar o que você merece, certo? Então, vamos ver... hum... meio aqui, menos aqui... você aumentou um décimo na sua nota. Parabéns! Ahn... Seus olhos estão ficando meio vermelhos, acho que você deveria lavar o ros...

Então eu virei a mesa, prendi a cabeça dele na copiadora, seu pé no triturador de papel, invadi o laboratório de química, joguei ácido sulfúrico na cara do professor que me reprovou ano passado e aproveitei pra roubar ácido nítrico e glicerina – obrigada Tyler Durden -, tranquei a porta do colegiado com todos lá dentro e explodi o prédio. Depois atravessei o corredor dos alunos que me aplaudiam e queimavam seus livros em comemoração, fui pra cantina e dando gargalhadas histéricas, roubei uma coca e saí com cabelos ao vento, sorriso no rosto e uma katana nas costas, em paz por ter realizado minha boa ação do dia.

- Sarah? Você está bem? Faz cinco minutos que você não pisca...
(continua)

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A Cleoci fala tanto e tão rápido que mal dá tempo de levantar a caneta do caderno.
A Cleonilce explica, pergunta “Entenderam?”, explica de novo, e daí explica mais uma vez. Se alguém foi ao banheiro por dois minutos ela explica de novo. Na próxima aula ela faz um previously que dura 50 minutos, em média.

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Aliás, eu já contei a história do meu guarda-chuva?
Lá estava eu, em um lindo dia de tempestade, indo pra faculdade sem guarda-chuva, é claro.

Nunca andei de guarda-chuva. Sempre achei coisa de mamães e vovós, assim como comer couve. Apenas mãe gostam de couve!

De qualquer forma, agora que estou relembrando aquele dia, a faculdade estava especialmente sinistra aquela tarde. O caminho que eu costumo percorrer, desde o portão até a cantina onde eu vou vadiar estudar estava completamente vazio,  um longo corredor escuro cheio de portas fechadas, lodo nas paredes, gritos nas masmorras, arrastar de correntes, essas coisas rotineiras.
E uma coisa bateu no meu pé enquanto eu descia a escadaria.


...


JURO que a primeira coisa que me passou pela cabeça foi isso:


 o.O
 Enfim, eu respirei fundo, e como nenhum tentáculo saiu do cimento pra me arrastar ao inferno, eu continuei descendo as escadas.
Elas estavam estranhamente mais longas naquela tarde. E vazias, obviamente.
Chegando na cantina todos os meus amigos e colegas de turma estavam lá, o que é muito mais estranho, uma vez que o tempo não havia mudado desde que eu terminei de descer a escadaria de SantaHelena, e quando cai um pingo d’água em Florianópolis ninguém vai pra aula.
Foi assim que eu descobri que tinha prova.
(continua)

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A Cleoci aterroriza a gente pra prova, e pergunta coisas como “quanto é 2+2?” e derivadas.
A Cleonilce diz que vai ser facim, facim e pergunta coisas como integrais e derivadas.

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Então, depois de entrar em depressão por descobrir que eu tinha sonhado com explodir o prédio, eu decidi protocolar um pedido de revisão da prova.
Pra começo de conversa, é quase uma peregrinação à Meca andar por aquela universidade. Você tem que ir ao colegiado ver se precisa protocolar. Pra ir do colegiado até o protocolo, tem que subir a Escadaria dos mil degraus, atravessar a Floresta Sem Caminhos, passar pelos prados americanos, pegar uma balsa, chegar antes que o helicóptero decole e contratar um índio como guia.
(O caminho que esse protocolamento segue é maravilhoso também, merece uma postagem própria com direito a câmera noturna, chip de rastreamento etc)
Beleza, cheguei lá, protocolei, tudo nos trinks. Trinta segundos depois de sair da sala, comecei a me questionar se adiantaria alguma coisa protocolar, uma vez que o prazo é de dez dias, e o exame seria dali a quatro. Então decidi ir na secretaria do curso (o pedido passa por lá antes de chegar no colegiado) ver quanto tempo demoraria pro meu pedido ser considerado.

Chegando na sala, tinha uma mocinha lá. A seguinte cena aconteceu:
- Oi, eu queria ver quanto tempo demora pro meu pedido de revisão de prova chegar no colegiado.
- Não sei... Preciso ver aqui no livro de registros se ele já passou por aqui.
- Mas eu acabei de protocolar o pedido!
- Mas pode ter chego, eu preciso verificar.

Eu pensei em mágica, correio-coruja, teletransporte, internet, QUALQUER COISA, exceto um livro de verdade. Afinal, eu não me lembrava de ter passado por um portal que me levasse pro futuro, então realmente não dava tempo do pedido chegar. A não ser que entregar protocolos fizesse parte do cooper vespertino da tia da secretaria, identidade secreta do Flash.
A mocinha realmente pegou um livro. UM LIVRO! Provavelmente estava registrada toda a história da Terra lá! Ela abriu (uma nuvem de poeira cobriu o ambiente) e foi folheando calmamente.
- Deve estar por aqui em algum lugar...

(“O primeiro ser pluricelular apareceu, imediatamente sentindo o preconceito por parte dos seres unicelulares”)

- Olha, não precisa procurar, não deu tempo de chegar ainda!
- Ué, você não queria saber quanto tempo demora até chegar no colegiado?

(“ O surgimento do oxigênio na atmosfera provocou uma onda de protestos entre os seres anaeróbios, que marchavam carregando cartazes contra a respiração aeróbica obrigatória”)

- Sim, mas eu acabei de sair do protocolo!
- Então, eu preciso saber se já chegou o pedido.

(“O primeiro tetrápode foi recebido com gritos de ‘Traidor!’ pelos outros aquáticos”)

- Mas não tem como ter chegado!
- Como você sabe? Eu ainda preciso verificar!

Quando ela passou por uns rabiscos (“Babilônia V1D4 L0K4”), eu desisti. Murmurei um obrigada e entreguei pros deuses. Quando olhei pra trás ela parecia bem interessada na invenção do kama sutra.

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- Bom, tá na hora da aula, até mais galera.
- Ow Castanha, não esquece teu guarda chuva que caiu da mochila.

(música dramática)

Olhei pro chão, e lá estava ele. Olhando pra mim. Me senti  o próprio Harry Potter sendo escolhido pela varinha. Juro que ouvi até uns sussurros.

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A Cleoci em média, passa cinco capítulos do livro por aula.
A Cleonilce levou um mês para terminar o primeiro. Capítulo.

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Foi o guarda chuva que mais ficou comigo. Nunca descobri como ele foi parar lá, mas ele sempre estava misteriosamente enganchado na minha mochila quando começava a chover.
Dizem que eu perdi ele quando fui pra uma loja, um dia desses. Eu prefiro pensar que ele cumpriu sua missão, eu aprendi a lição da minha vida e ele foi iluminar outra pessoa.
Agora só preciso descobrir o que eu aprendi.

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Eu decidi me rebelar e não estudei pro exame. Claro que as únicas consequências viriam pra mim, mas o ato em si era puramente simbólico.  Até que um dia antes do exame me encontrei com o professor. Ele só disse:
- Já viu sua nota final?

 ...

7,0.

O sistema arredonda 6,5 automaticamente pra 7.

Senti como se tivesse ganhado o Blastoise.


Quem disse que a vida universitária é só desgraça?

quinta-feira, 2 de maio de 2013

O Último Homem


Boa noite meus fiéis! Como passam? (Presumindo que ainda são meus fiéis, é claro)

Querem ler a desculpa de hoje da demora de atualizações, claro que sim, vamos lá.
Aparentemente agora que eu tenho uma feitora assessora, ela “sugeriu” e eu quero que vocês reparem bem nas aspas, que eu fizesse reviews intercaladas com textos próprios, e se eu me comportasse bem e não mordesse ninguém, teria permissão de escrever algum especial de vez em quando. Então, feliz da vida, fui escrever sobre “Desventuras em série”, de Lemony Snicket. Trabalhei no meu texto com tanto afinco quanto naquela vez em que fiz um castelinho de areia perto do mar e na primeira onda eu chutei o monte e comprei um picolé; mas então descobri que existe uma autobiografia não autorizada de Snicket que é essencial para entender as desventuras, então decidi adiar para quando alguém me der essa biografia de presente.
Alguém.

ALGUÉM.

ALGUÉM!

...

Aceito presente repetido.

Enfim, desanimei totalmente e minha cabeça ficou muda, sem ideia nenhuma.
Até que eu descobri essa HQ.



Sim, é história em quadrinhos. Não, HQ não é coisa pra criança. Sim, quadrinhos são aqueles da Turma da Mônica. Não, quadrinhos sérios não são apenas uma exceção por aí. Tem muita edição por aí que é mais madura e bem construída do que qualquer livro, digamos, do Paulo Coelho. Duvida?

Sabia que o filme V de Vingança foi baseado em uma HQ de apenas cinco números? É. Vai dizer que é pra criança um filme com essa cena?
Sabia que Watchmen foi baseado em uma HQ de apenas doze números? É. Vai dizer que é pra criança um filme com essa cena?

Agora que já estamos tão esclarecidos como um déspota em 1750, vamos à review.
Imagine um mundo sem o cromossomo Y.




The Last Man. O Último Homem.
Uma praga assolou o mundo e em alguns segundos matou todo mamífero macho da face da Terra, seja adulto, filhote, feto, embrião ou espermatozoide Y. Isso inclui, claro, a raça humana. Todos mortos, exceto um rapaz chamado Yorick Brown e seu macaco capuchinho, Ampersand (sim, o nome do macaco é &). Sozinhos num mundo de mulheres. Caos.

Inicialmente, eu nunca recomendaria essa série para ninguém. Ela parece trazer ideias bastante extremistas, sexistas e até machistas.

Apenas um homem consegue salvar a pátria X não precisamos de homens para viver.

Devo dizer que fiquei feliz como um aluno da Lufa-Lufa quando o Cedrico ganhou do Harry no quadribol quando descobri que... Não é assim. Ela vai muito além. É completamente feminista.
(Aliás, já perceberam que o personagem Spartacus, da série que acabou recentemente, também é feminista? Asérie não, mas o cara em si, sim, e muito)

(Adendo: para evitar alguns xingamentos desnecessários, recomendo a leitura calma e sem preconceitos de qualquer um destes textos. Mas se vocês não tiverem paciência, uma olhadinha rápida nesse tumblr aqui já ta bomdimaisdaconta.)

Viram? Leram? Ignoraram? Deslumbraram? Então tá.

Dá pra começar a análise com uma pergunta:

Como seria ser o último homem da Terra?

Pra muitos e muitos homens seria o Paraíso. Imagina só, todas as mulheres do mundo só pra você! Nenhum macho para competir, escolher à vontade, e ainda tem a mamãe pra te dar colinho e leite quente no fim do dia. Perfeito, não?

Não. Ainda bem que Brian K. Vaughan, o genial criador da série, fez questão de deixar algo claro já na primeira edição.
Um mundo com apenas um homem – mesmo que seja o Robert Downey Jr ou o Neil DeGrasse Tyson – seria uma merda. Na verdade, ele nos dá uma pequena dimensão de como o mundo está estruturado praticamente por homens, nesta página:


É de se imaginar que no caos que tenha se instalado logo após o generocídio, as mulheres não estivessem exatamente receptivas para competir na unha quem seria a escolhida. Na verdade, como obras da ficção tem nos mostrado constantemente, - The Walking Dead e Falling Skies - em casos de apocalipse ou semi-apocalipse, as pessoas tendem a despirocar de vez.
Para ser mais clara: 90% das mulheres restantes, quando ficam sabendo que ainda resta um falo vivo no mundo, querem trucidá-lo; umas duas querem transar com ele; o resto não se importa nem um pouco.
Apenas três se dispõem a protegê-lo, deixando claro que é tão somente pelo futuro da humanidade.
Por quê?
Porque Yorick é um babaca.
 Ele tem uma namorada – que agora está perdida pelo mundo – é arrogante e preconceituoso em vários momentos, não tem a menor ideia do que fazer da vida, era paparicado pela família, imaturo, irresponsável e com um certo comportamento suicida. Tanto que uma agente especial foi designada pelo governo americano para protegê-lo, porque foi deixado bem claro que ele “não duraria cinco minutos lá fora”.
Essa agente, chamada apenas de 355, é uma das personagens mais fortes e capazes que já conheci. Tenho certeza que ela bateria no Stallone (jovem) sem grandes problemas. E por ser forte e fazer parte de uma agência de guerra, 355 já viu e fez muitas coisas na vida, coisas que ela com certeza preferiria esquecer. Ela e Yorick são de idades próximas, mas essa experiência e maturidade tão disparatadas faz com que o relacionamento dos dois seja bem instável. Ainda bem que o amadurecimento do Yorick foi uma das linhas mais bem traçadas na série. É marcante como o auto-intitulado "Mago das Escapadas" (ele é um ilusionista amador) vai ficando mais velho e duro conforme o tempo passa.
E por favor gente, 355 é dona da frase mais badass da história dos quadrinhos:


"Fuck you", ela diz em seguida *-*

Confesso que também não senti muita falta de personagens masculinos no enredo. Primeiro porque tem bastante flash-backs de cada personagem relevante; segundo que os tipos femininos conseguiram suprir muito bem todos os caricatos masculinos.
Um ninja mortal e misterioso? Tem.
Um cientista brilhante meio louco que é de certa forma responsável pela destruição do mundo? Check.
Traidores? Um por página.
Soldados/terroristas que querem destruir o mundo? A-hã.
Espiões? Opa.
Conquistadores baratos? Pfff.
Líderes extremamente manipuladores e carismáticos que conseguem arrebatar multidões para uma causa claramente autodestrutiva?









E religiosos fanáticos?
É interessante ver como um apocalipse pode mudar a cabeça das pessoas. Em TLM, a maioria das mulheres vira ou ateia (como um Deus pode nos privar da missão mais básica da Bíblia, crescei e multiplicai-vos?) ou fanática (todos os homens mereciam morrer para Deus purificar a Terra). A HQ mostra basicamente a reação da Igreja Católica, que é bem patriarcal. Inclusive, essa é uma das partes mais críticas e inteligentes da série.  Mas são raras as religiões não-patriarcais, e eu senti falta da abordagem de outras, deu a impressão que a católica é a pior Igreja de todas.

Eu tinha dito que três mulheres se dispõem a defender Yorick, não? Pois bem, a terceira é a Dra. Alisson Mann, uma cientista brilhante que se culpa pela praga sabe-se-lá-por-quê. Ela defende o garoto apenas por interesse científico: ela quer cloná-lo e salvar a raça humana.
Ela nunca sorri.
 Enfim, é complicado falar sobre TLM. Primeiro porque a trama é tão perfeitamente amarrada que qualquer fato implica em falar sobre outro fato, que implica em falar sobre outro, e outro, e outro e daqui a pouco você perde o controle e já diz que ele morre no final e quem mata é o Coronel Mostarda, na biblioteca, com o candelabro. Mas eu juro pra vocês que apesar de toda a análise política que eu fiz, vocês não vão notar a pregação. Exceto em uma ou outra parte, quando mostra alguns discursos de mulheres misândricas que matam outras mulheres cujo crime era não achar que todos os homens do mundo eram uns crápulas sem coração e mereciam morrer. Eu devorei todas as 60 edições em três dias simplesmente porque não consegui parar de ler. E antes que vocês me perguntem, não, ninguém descobre o por que da praga – apenas algumas teorias cabulosas circulam por aí – mas a história não é sobre isso, e ainda bem que não tentaram explicar. Ou alguém realmente ficou feliz quando George Lucas explicou o que era a Força? Não, algumas coisas é melhor não explicar. Ninguém quer saber.

E o final... Ah, só podia ser aquele. Chorei, chorei, chorei, mas foi perfeito como o último capítulo de Friends. Nenhum outro se encaixaria tão bem.

Certo, vamos falarda nova Tecpix de coisas práticas agora: como adquirir e ler essa série.
Vida de leitor de quadrinhos no Brasil não é fácil. As edições demoram em ser traduzidas, em ser lançadas, em chegar às bancas de grandes cidades, em chegar às bancas de cidades que não são São Paulo. Há um desinteresse total das editoras em melhorar isso, porque elas alegam que “não há interesse dos leitores” e essa é a coisa mais ridícula que uma editora pode dizer. Quer dizer, elas vivem disso! Se não existe interesse por quadrinhos EM UM PAÍS INTEIRO, ela simplesmente toca o foda-se, beleza, deixa quieto, vamos ver se na Guiana Francesa alguém quer uma revistinha?
Aposto que em países onde ninguém conhece picolés de maçã também há um desinteresse total em picolés de maçã.
Caramba, se a Coca-Cola ignorasse cada país que não tinha interesse por ela, hoje em dia ela não seria uma empresa com capital maior que o PIB de alguns países!

Enfim, eu acabei baixando a série no 4shared por duas razões, mas não recomendo fazer isso por duas razões.

Baixei primeiro porque aparentemente foram lançados apenas os primeiros números aqui, não há previsão de lançar o restante em um futuro próximo, nem sonham em lançar na minha cidade, eu não tenho dinheiro pra viajar só pra comprar e não aguentaria esperar a boa vontade dos editores pra ver se eles lançam o restante. Segundo porque Yorick faz tanta piada referencial - ele é muito nerd - que eu não entendo metade do que ele diz, e os fãs que traduzem são uns lindos, eles explicam cada referência bonitinho pra gente entender, coisa que dificilmente a tradução oficial faria. (outra coisa que dificilmente a oficial faria seria traduzir os palavrões, porque aparentemente a população brasileira sofre de uma terrível doença em que falamos palavrão normalmente, mas se ouvirmos alguma obra de fora, seja cinema ou literatura com um simples ‘porra’ temos um ataque epilético instantâneo)
Mas não recomendo baixar, primeiro porque se todo mundo o fizer, o desinteresse das editoras vai continuar ou piorar. Temos que incentivar os lançamentos, dizer “ei, não só as crianças gostam de ler gibi, a gente também! Manda pra cá!”
Segundo, porque é realmente difícil ter que ler atraz, faser,  mais, etc. Coisa que dificilmente a tradução oficial teria.
Mas ainda vale a pena!
 Título: Y - O Último Homem ( Y - The Last Man), 60 edições
Autor: Brian K. Vaughan
Desenhistas: Pia Guerra, Goran Sudzuka, Paul Chadwick
Tradução: 
Editora: Vertigo (a Panini Comics comprou os direitos no Brasil)
Ano: 2002 - 2008
Motivos pra dar de presente: pra quem gosta de ler, mas não muito; e é ótimo pra aprender que não existe só Mônica e Cebolinha no mundo...
EM TEMPO: sabia que a desenhista chefe da série, Pia Guerra, é uma das poucas mulheres do ramo?

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Experiência #1 : A Volta dos que Não Foram


Uau, eu tenho um blog!

É, difícil lembrar disso de vez em quando. Principalmente quando de vez em quando eu resolvo dar um tempo nas postagens.
Ou quando esse dar um tempo vira quase um ano e o de vez em quando vira nunca.
Mas eu voltei. Voltei! E melhor ainda: agora eu tenho uma assessora de imprensa!

...


É, aparentemente eu tenho uma preguiça incurável, que me impede de postar e escrever com a frequência de uma pessoa normal... Embora nesse mundo uma pessoa normal escreve textos com a mesma frequência que eu no último ano, então anulei minha frase totalmente. Mas ainda tenho uma preguiça incurável, então não anulei totalmente, a não ser que meu futuro chefe esteja lendo isso, nesse caso eu anulei totalmente sim, e sou uma pessoa extremamente disposta, cooperativa e adora fazer relatórios, certo? Não, não quer dizer que goste de fazer relatórios a minha vida inteira, eu só não tenho preguiça de fazer aqueles grandes e entedian...

Quer saber? Esqueçam o último parágrafo. Eu tenho uma assessora de imprensa que vai divulgar isso aqui, sou uma diva, só preciso me preocupar em escrever rápido o bastante pra ela não me comer o fígado.
Enfim, eu tinha uns cinco textos começados. Na verdade, se alguém um dia for atrás de mim, me achar, me matar, conseguir separar meus braços, pegar meu computador, descobrir a senha e fazer uma peregrinação de pastas atrás de pastas, vai ver que eu tenho mais de vinte começos de textos, crônicas, livros de fantasia e ficção científica, todos esperando seu fim... Sendo esse fim um ponto final ou a lixeira. E estava na dúvida sobre qual resenha escolher, mas como agora tenho uma dona assessora, ela disse “bota um texto seu”.
Não, na verdade ela disse "bota um texto seu".
E eu temi por minha vida. Sério.

E porque eu gosto de melancia, Friends, Joseph Gordon-Levitt e principalmente de continuar respirando, docilmente aceitei, e agora vocês vão ler, em primeira mão, a minha primeira experiência publicada. Eu escrevi numa época cheia de provas, stress, barulhos, raiva e...
Quer saber, foda-se, eu acabei de inventar isso aí.
E lembrem-se que eu sou uma jovem e extremamente promissora escritora em início de carreira, elogiem-me, por favor. Gente jovem e arrogante não gosta muito de críticas abertas. Me mandem por inbox.
Ah, e também não tem título. Sou péssima em dar títulos.



Nasci no dia mais quente do ano. No dia mais quente da década. Tão quente que ninguém ficou em casa naquele dia. Foi o dia mais barulhento do ano.
E eu odiei cada barulhinho.
Fui um bebê silencioso. Nos primeiros dias meu pai perguntou “o que esse troço deveria fazer, afinal?” Minha mãe vivia discretamente me cutucando pra ver se ainda estava vivo; meu irmão uma vez tirou minha fralda pra ver se não estava com a pilha fraca. Fui silencioso, mas bastava abrir a porta do meu quarto pra eu acordar.

Fui uma criança silenciosa. Os professores sempre levavam um ano ou dois não pra aprender meu nome, mas sim pra notar que eu estava ali. Geralmente as aulas iam até a metade do ano assim: 
-Caetano?
-Presente.
-Camila?
-Presente.
-Carlos... Carlos Oliveira?
- Presente.
(Minha voz nunca foi mais que um sussurro.)
- Oh, olá Carlos. Transferido?
- Não.- Ahnn, mas é novo aqui, certo? Posso jurar que nunca te vi por aqui.
-Professor, estudo aqui desde o primário...

-Ah, ok. Onde eu estava... Ah, sim. Carlos Oliveira?
-Presente, professor.
- Oh, olá. Você é novo aqui?
 Todas as aulas. Em abril já respondia a chamada mostrando meu histórico escolar pra provar que sempre estive ali, na mesma carteira inclusive. E claro, odiava qualquer conversa na sala. Odiava o recreio com aquelas crianças pulando e gritando. Odiava a biblioteca com aquelas pessoas e sua mania de virar as páginas dos livros.

Fui um homem quieto. Meu irmão tinha a mania de assaltar a geladeira de madrugada, e seus passos sempre me acordaram, então assim que consegui um emprego saí de casa. Sempre morei sozinho, na rua mais barulhenta do país.
Certo, admito, podia ser uma rua normal. Mas cada vizinho tinha um cachorro. E um gato. Um papagaio não era raro.
Cada.
Vizinho.
E digo mais: havia uma lei municipal que dizia que se tivesse menos de vinte e sete pinschers por quadra todos os habitantes teriam que entregar seu primogênito para virar escravo nas minas da Mongólia.
Pelo menos era a única explicação que eu encontrei pra ter tantos ratos pinscher e chihuahuas na minha rua.
Mas verdade seja dita, havia cachorros grandes também, que graças à maldita física seus latidos mais graves podiam ser ouvidos a uma distância maior. Toda noite o líder dos gatos da cidade – que eu costumava chamar de Isaac Karabitchev – tentava reunir seu povo e montar um coral para cantar a trilha sonora de Cats. Mas os cachorros achavam que era na verdade arte interativa, e tentavam interagir seus dentes com o pescoço dos seus amigos cantores, ou no mínimo cantar também. Como muitos eram cachorros com um dom para a política, conseguiam ficar horas discursando entusiasticamente sobre como aquele coral era bom para a vizinhança, aproximava as crianças e fazia a felicidade do Velho Billy, que tinha um novo sapato pra roer toda noite. Meu sapato, aliás. Malditos, se duvidar eles vão receber a cada lua cheia seu peso em ração Pedigree do sapateiro.

Uma noite, quando uma gata cantava Memory na esquina, eu peguei todos os meus sapatos – podia imaginar o sapateiro saltitando de alegria, o desgraçado – saí na rua e atirei naquele coral, naquele comício e aproveitei pra atirar naquela maldita andorinha que tinha chegado da migração, não acertara seu fuso horário e sempre começava a cantar às quatro da manhã.

Fui preso. Por perturbar a paz. Maldita ironia da vida.

Achei que na prisão teria meu silêncio.  Mas o cara que estava comigo insistia em respirar a noite toda. E um cara com aquele nariz... Se eu tivesse gravado aquele ronco podia colocar no alarme de casa e quando um ladrão entrasse acharia que tinha invadido a casa do Darth Vader.
Me mudei centenas de vezes, mas acho que Isaac passou a me considerar seu ídolo de inspiração e carregava seu elenco aonde quer que eu fosse. Uma noite, fiquei sentado na cama pensando em todas as maneiras mais lentas de se matar um grupo de gatos, e claro, todos os cachorros fãs do show, quando de repente todos pararam. Meu deus, eu sou o Professor Xavier, pensei.  Acabei de matar todos os bichos da vizinhança telepaticamente. Já me preparava para matar aquelas andorinhas que nunca acertavam o relógio quando ouvi o Isaac dizendo “não, não ficou bom, vamos de novo! Um, dois, três e...”

 Uma vez deitei em uma igreja. Ali era silencioso. Tão silencioso que comecei a notar os barulhos da rua, algo que os gatos nunca tinham deixado antes. Mas que merda. Buzinas, freadas, o som alto de algum imbecil lá longe. Me levantei. Olhei para o altar.

"É demais pedir por uma noite de silêncio?"

Ninguém me respondeu. Deus deve ter achado que se ele fizesse algum barulho naquela hora eu virava ateu, e Ele não precisava perder mais um cliente.

Me mudei para o campo. Lá não tinha carros, música, gatos e cachorros.
- Não é agradável dormir com a chuva caindo?, perguntava a dona da pensão.
Mas quando caía ela batia insistentemente em uma folha embaixo da minha janela. Ploc ploc ploc ploc ploc ploc ploc ploc ploc ploc ploc(bis).
-Não é bom dormir ouvindo o vento, então?
Seria aquele mesmo vento que quando soprava fazia um galho de árvore bater na vidraça? Tap tatatap tap tap tap tap.
- Os grilos, senhor. Não são tranquilizantes?
Cricricricricricricricricricricricricricricricricricricricricricricri. Sem comentários.

Então eu ouvi falar de uma câmara que haviam inventado que era completamente isolada acusticamente. Se caísse uma bomba atômica do lado, a pessoa dentro não ouviria nada. Nada. Morreria, é claro, mas completamente ignorante sobre o que a atingira.
Vendi casa, carro, móveis, corpo, tudo, para comprar minha câmara. Quando o vendedor apertou minha mão  e mostrou meu pequeno paraíso quadrado, sorri. A última vez que tinha sorrido foi quando meu vizinho que ouvia sertanejo até as três da manhã foi assassinado.
Deitei lá dentro. As paredes eram brancas, teto branco, tudo branco.
Silêncio. Nem a mais pura das músicas já tocadas tinha um som tão doce quanto o silêncio.
Foi quando eu ouvi. Ele.
Não, por favor.
Ele de novo.
 
Não, não me tirem isso. Não o meu silêncio!
Ele mais uma vez. Maldito. Três vezes maldito.
Meu coração pulsava, feliz de ser finalmente ouvido pelo dono.
 

Me matei com uma overdose de remédios para dormir. Queria uma morte tranquila, indolor.
E silenciosa.
Minha alma foi subindo ao Céu. Eu vi todas as cores do Universo. Todas as estrelas. Todos os mundos. Mas acima de tudo, eu vi o silêncio absoluto. Nenhuma voz, nenhum miado, nenhum ploc ploc ou cricri. Nenhum som.
Finalmente estava em paz. Minha pobre alma torturada finalmente se permitiu um suspiro de alívio.
 E então, um anjo começou a cantar.